Krespinha: Bombril traz de volta um produto associado ao Racismo


Direto dos anos 50, o produto carrega a marca de um racismo que não cabe em nenhuma época, sobretudo em um 2020 marcado por ações sociais afirmativas.

Em meio a um turbilhão de protestos em favor de causas raciais, fomentadas pelo movimento #BlackLivesMetter nos EUA, a Bombril foi acusada de racismo por conta do relançamento da “Krespinha”, uma esponja de aço que historicamente tem na sua identidade visual uma composição que faz associação pejorativa aos cabelos crespos de mulheres negras. Em outras palavras, um produto racista.

Segundo a empresa, “a marca estava no portfólio há quase 70 anos, sem nenhuma publicidade nos últimos anos, fato que não diminui nossa responsabilidade”.

A declaração, feita após toda discussão repercutir nas rede sociais, se refere ao fato de que o produto poderia ser encontrado no campo de busca no site da empresa. O que demonstra que, a ação automática de recolocar o produto a disposição dos clientes revela, no minimo, uma despreocupação da empresa em resinificar a marca, para se desvincular o produto de sua origem e história preconceituosa. 

E foi por meio dessa volta a divulgação que o produto caiu nas redes sociais e virou pauta em diversos canais de usuários e influenciadores que, dentre outros assuntos, tratam de ações raciais afirmativas.





A hashtag #BombrilRacista se tornou um dos assuntos mais comentados do Twitter ontem, 17/06. A "Krespinha" pertencia a empresa S. A. Barros Loureiro Indústria e Comércio, e sua comercialização era realizada na loja Sabarco, em São Paulo.


A imagem abaixo trata-se de uma publicidade do produto, veiculada em 1952. A imagem mostra uma menina negra, incorporada a letra K do logo, de forma a personificar a esponja na figura da garota.


Anúncio da "Krespinha", de 1952

O impacto negativo e preconceituoso dessa marca é tão profundo que, segundo apontou um usuário no Twitter, seria possível associar a letra K de “Krespinha” a uma alusão a KKK, sigla para Ku Klux Klan, pertencente ao grupo supremacista branco dos estados unidos, que à época do anúncio, vivia o seu auge.

E nem é preciso ir tão longe. Imagine que, ter um produto desses, reforça mais de 1001 esteriótipos:

Mulheres negras relegadas a apenas trabalhos domésticos;
Associação pejorativa dos cabelos de pessoas negras coma palha de aço;



E como bem aponta a mesma internauta, ter pessoas que trabalham com a construção do simbólico cultural por meio da propaganda e que tem em seu imaginário ideias preconceituosos como essas indicam que a real solução tem de vir de dentro pra fora da empresa. 

A exemplo do que podemos ler no "sobre a empresa" em seu site, que tem  a Krespinha como um de sues produtos considerados "consagradas pela marca. Isto é, podemos entender que, o produto faz parte do que se compreende como declaração da cultura organizacional da empresa.
Sobre a empresa, acessado em 18/06/2020 as 15:47

Segundo o site Propaganda Históricas  já apontava em 2013, Nos dias de hoje, este anúncio poderia ser considerado politicamente incorreto, por associar o cabelo crespo de afrodescendentes à esponja de aço Krespinha". 

Estamos em pelo 2020, vivendo um apogeu de pautas raciais, que têm cada vez mais ocupado espaços da internet, mídias e veículos de comunicação e a BomBril foi além e pode comprovar, na prática o quão, preconceituoso e racista sempre foi esse produto.



Por meio de uma nota de esclarecimento, a empresa comentou sobre o impacto da repercussão que causou. E, além de ter retirado o produto do site, até o momento da redação desta matéria, a declaração que segue foi o único posicionamento feito pela BomBril.




Vale relembrar também que na Bombril ja foi acusada de racismo e por atos de misoginia em anúncios para seu produto estrela, a palha de aço BomBril, que carrega o nome da empresa.

Em 2012, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) recebeu treze denúncias de consumidoras contra logomarca da campanha “Mulheres que Brilham”, composta por imagens do cabelo próprio de mulheres afrodescendentes. Uma associação racista, já que o simbólico da marca, usada dessa maneira, reforçava o esteriótipo que compara cabelos de pessoas negras a esponjas de aço.


Na ocasião,  por unanimidade, o CONAR recomendou o arquivamento da representação em tela. Diante do veredito, a Bombril, informou que decidiu alterar o logotipo por causa das reclamações, sem ter reconhecido de fato o erro ético da sua campanha.

Alguns internautas ainda acusam que a empresa já praticou também Black Face que, segundo a definição da Wikipédia, trata-se de uma "prática teatral de atores que se coloriam com o carvão de cortiça para representar personagens afro-americanos de forma exagerada, geralmente em shows norte-americanos". 

O garoto Bombril, interpretado por 37 anos pelo ator Carlos Morenos, (feito que lhe rendou o título do Guinness Book, o Livro dos Recordes, de Garanto Propaganda há mais tempo no ar, desde 1978 até sua saída em 2017já se vestiu do Pelé em um anúncio para marca.

Nesse ponto da critica, é necessário um pouco de cautela, pois o contexto dessa campanha nos revela que Moreno estava, de alguma forma, prestando homenagens a diversas personalidades importantes do Brasil e mundo e, por isso,  já se vestiu de figuras como Mona Lisa, Che Guevara, Papa Bento XVI, entre outros.

Garoto BomBril e alguns dos 1001 personagens vividos por Carlos Moreno, incluido figuras como Barac Obana e Pelé

Pelé foi um dentre muitos, inclusive houve oportunidade em que Carlos Moreno, o Garoto Bombril e o próprio Pelé atuaram junto em um comercial pela marca.

Portanto, como reforcei nesse artigo, as criticas acerca desse caso da marca "Krespinha" são necessárias e devem ser feitas, afinal isso é um dos tantos reflexos do que o racismo estrutural causa, moldando nossos pensamentos, ideias e preconceitos em relação ao negro em nossa sociedade.

A Bombril, resta se por a repensar sobre o caso, indo além de só emitir uma nota de esclarecimento e a retirada do produto do mercado (virtual  e físico).

Mesmo diante dessa crise, criada por ela mesmo, é possível se pensar em rever os erros recentes e do passado e se propor verdadeiramente a transformar o aprendizado em soluções efetivas, que comecem de dentro da empresa, na sua cultura organizacional, lideres e liderados, em todos os níveis até chegar na propaganda com o publico.

Mas é preciso coragem para assumir esse compromisso com valores tão caros para sociedade, mercado e empresa.

Pergunto: há coragem ou sobra covardia?


Elidio Santos
Elidio Santos
Poeta | Escritor Criativo | Especialista em Redação Publicitária e Criação de Narrativas | Inventor dos heterônimos Manay Deô | Salatiel | Aristiliano | Canistro Balthamos | Solenildo | Aster Yrota | Co-Criador do Canal no YouTube Dose Publicitária
Fale com Elidio Santos - > 📬 elidio.publicitário@gmail.com

Postar um comentário

0 Comentários